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Ricardo Salgado é imbatível em confronto

por Maria Teixeira Alves, em 20.03.15

Ricardo Salgado vai ser ouvido novamente no Parlamento

De tudo o que vi, ouvi e li tenho de reconhecer que Ricardo Salgado é exímio em ganhar confrontos orais. Contribui para isso um enorme histórico de interpelações, uma impecável educação e uma atitude moral bem estudada. Ricardo Salgado cresceu a saber distinguir o bem do mal. É fácil perceber porque Carlos Costa não foi tão incisivo na substituição de Ricardo Salgado no início de 2014. Não foi por medo, foi por compaixão. Porque acreditou que Ricardo Salgado era vítima do gigantismo incontrolável do seu próprio grupo e da crise financeira. 

Ao fim de 10 horas a ouvir Ricardo Salgado a falar do desaparecimento do grupo da sua família que foi liderado por si, ficamos quase convencidos que Ricardo Salgado não conseguia controlar o grupo, que por isso houve falhas "aqui e ali", o grupo tinha fragilidades, não diz que não, mas que tudo se resolvia com um apoio institucional (o que quer que isso queira dizer) do Governo a um empréstimo de 2,5 mil milhões de euros, que iria ser emprestado por um sindicato bancário internacional, e que serviria para pagar a dívida de curto prazo emitida pela ES International, holding que estava no topo (ou quase, porque acima estava a ES Control e duas sociedades desta) do conglomerado misto, e com isso ganhar tempo para vender os activos do GES com calma para pagar a dívida. 

Mas o malvado do Banco de Portugal impôs um ring-fencing entre o BES e o GES, e um Governo composto por Ministros ingratos, pois o BES ajudou tantas vezes o país falido e empresas falidas «e o que nós lá fomos pedir foi uma reciprocidade» estragou tudo. O uso do nós quando se refere a si, é em si uma estratégica bastante eficaz. Nós os Espírito Santo tentámos salvar o maior conglomerado misto nacional, e eles o Governo e o Banco de Portugal fizeram tudo para o destruir. Ora por ignorância, ora por castigo. Exemplo disso é quando diz que a Tranquilidade era a maior companhia de seguros do país e foi vendida a um fundo que a vai vender com lucro, por uns míseros 50 milhões. Mesmo depois de confrontado com o pequeno pormenor de ter a Tranquilidade investido 150 milhões de euros em papel comercial da Rioforte de curto prazo, por pressão sua, e de isso a ter deixado à beira da falência, manteve a sua tese de indignação perante o desbarato a que foi vendida à Apollo. «Desvalorizou um bocadinho, mas valia mais que 50 milhões», disse.

Isto (falência do GES) era um problema nacional. Tinha que ter decisões políticas. Começou por dizer que alertou três vezes para o risco sistémico. Pois foi. O risco sistémico seria dizer que se o grupo falisse, os bancos e a economia portuguesa ruiam com o GES. Mas isso não aconteceu pois não?

Ricardo Salgado explica não sabia que o grupo estava falido. Sabia apenas que não tinha as contas consolidadas. Ora, mesmo que isso fosse verdade, que cada um endividasse a sua quinta como bem lhe aprouvesse e depois a ESI de Francisco Machado Cruz escondesse a dívida debaixo do tapete, Ricardo Salgado não pode ser desresponsabilizado porque  (e as palavras são suas) "a ignorância dos factos não é sinónimo de imunidade". «Ninguém na família sabia exactamente o que se passava, senão não tínhamos investido 70 milhões de euros do nosso próprio dinheiro no aumento de capital da ESI em 2011». Este argumento parece-me um embuste. Obviamente que em 2011 e mesmo em 2013 Ricardo Salgado acreditava que conseguia salvar o Grupo e subestimou a falência iminente. Teria arrastado mais gente para aumentos de capital. Tantos quantos fossem necessários para manter o maior conglomerado misto português. Disso não parece haver dúvidas.

De todo o depoimento de defesa de Ricardo Salgado, há a sensação que Ricardo Salgado tinha coisas a mais para fazer e por isso não controlava tudo (leia-se não controlava o endividamento do grupo que chegou aos 9,165 mil milhões de euros). Era uma autêntica rebaldaria. Cada chafarica do Grupo endivida-se quando queria e Ricardo Salgado não sabia que já ia naquele montante. Mesmo estando a dívida colocada num Fundo de Investimento vendido aos clientes. Seria assim? 

Veja-se o caso da ES Enterprises, disse que não era nenhum saco azul. Era uma empresa que começou por servir para proceder à regularizações dos serviços partilhados no exterior. Mais tarde fez também serviços partilhados. Ora serviços partilhados é o quê? É por exemplo central de compras, processamento de salários, serviços informáticos centralizados, gerir os edifícios do grupo. Serve as empresas do Grupo e por isso emite facturas para todas as empresas do Grupo que serve. Bom não é para a Investor Relations ser paga para ir em roadshow. Nesse caso a ES Enterprises servia apenas para retirar custos (eventualmente extravagâncias) do balanço do BES. E para fazer pagamentos "por fora" a colaboradores do Grupo.Veja-se o caso de Helder Batáglia que recebeu pagamentos por fora da ES Enterprises, a título de agente prospector de novos negócios em Angola e no Congo Brazzaville, 7,5 milhões de euros. A cópia do contrato circulou e previa ainda o pagamento de prémios por resultados (sucess fee) que poderiam oscilar entre 2,5 milhões de euros e os dez milhões de euros.

Uma empresa de serviços partilhados não serve para isto, normalmente. Nem para pagar pareceres de eminências pardas, ou para pagar serviços supérfluos. Nem para tirar do balanço custos com pessoal. Não serve para isso. Mas esta parece que servia para pagar tudo e a todos sem que isso estivesse a pesar no rácio de eficiência do BES. Perguntado que foi porque não estava essa ES Enterprises no organograma do grupo? Respondeu pronto, «devia estar debaixo da ES BVI, por falha não estava». Tinha sede na Suíça e mais uma vez tinha Francisco Machado Cruz como administrador. Francisco Machado Cruz, o homem que sabia demais para cair. 

Vamos agora ver os pontos de defesa apresentados por Ricardo Salgado, contra o inimigo publico Carlos Costa:

No ponto quatro (sobre o tal empréstimo de 255 mil euros que é apontado como desvio de fundos para a família), Ricardo Salgado defendeu-se bem (espero que algum site publique o link para as 54 páginas da intervenção inicial e então acrescento-o aqui).

Defendeu-se bem da acusação de que o saldo da conta escrow não foi totalmente usado para reembolsar clientes de retalho, como era suposto. Falou do reporte diário ao Banco de Portugal, explicou que os empréstimos reembolsados ao Montepio e BCP foram empréstimos pedidos para pagar a clientes de retalho da ESI. Explicou que os clientes do BES Açores, BEST ou os clientes 360 também eram clientes de retalho. E argumenta com a carta do Governador à Ministra das Finanças de 7 de Julho, que diz: "o BES assegurará, em caso de incumprimento da ESI ou da Rioforte, o reembolso da dívida colocada em clientes não institucionais que a tenham subscrito através do BES ou de uma das suas participadas".

«Na verdade, não se vislumbra qualquer razão para se discriminar um Cliente apenas porque reside nos Açores», diz Ricardo Salgado. Guardemos esse argumento para o usar mais daqui a bocado.

Mas começamos a entrar na verdadeira natureza da argumentação do banqueiro quando chegamos ao ponto nono.«É de todo inexplicável como o relatório  de auditoria conseguiu emitir potenciais prejuízos sobre a exposição da ESFIL e do ES Panamá à ES Resources e ESI, apesar de o âmbito da auditoria referido pela consultora, no último parágrafo, da página 8, ter incidido apenas sobre o Grupo BES. Ora, a ESFIL, ES Panamá, ES Resources e ESI não fazem parte do Grupo BES». No ponto 10 diz que o Ring-fencing na carta de 3 de Dezembro do Banco de Portugal não proibia o BES de conceder crédito a entidades financeiras do Grupo ESFG, como a ESFIL e o ES Panamá. Mas que espertice de argumento! Em primeiro lugar, e agora uso o argumento anterior, os bancos da ESFG (que aliás devia ter sido protegida por ring-fencing tal como o BES, até porque na altura era a ESFG que estava sob supervisão do BdP e BCE) não são menos bancos do GES do que os outros (Grupo BES). Em segundo lugar, no caso do ES Panamá, os empréstimos vinham do BES e depois o Panamá investia na ES Resources e ESI. Vai dar ao mesmo ou não?

O Banco de Portugal errou ao se desmarcar da supervisão das filiais bancárias da ESFG fora de Portugal, e Ricardo Salgado soube-lhe bem na altura que estas ficassem fora do ring-fencing, porque assim pode continuar a financiar a ESI e Rioforte com dinheiro de clientes. Ponto. Agora faz um aproveitamento político.  

O Banco de Portugal mais tarde (30 de Junho) emite uma instrução adicional no sentido de a partir daí proibir o BES de conceder financiamento às entidades financeiras do GES que não integrassem o Grupo BES.

Depois tem razão na potencial desobediência por financiamento concedido a sociedades do GES como o Hospital da Luz porque se tratou de renovação de linhas de crédito. Diz que seria má gestão cortar as linhas de crédito. Isto mostra, conclui, que o ring-fencing cego prejudicou o BES, em vez de o proteger. Ora tenho dificuldade em perceber isto. Tanto quanto me parece, quanto muito o ring-fencing cego prejudicou o GES não o BES. Infelizmente prejudicou também a ESFG e com ele todo o sistema financeiro que dele dependia. O ring-fencing devia ter protegido a ESFG também. O facto de os bancos na Suíça, Dubai etc terem entrado em incumprimento provocou uma corrida aos depósitos em todos os bancos do GES (incluindo os do BES). Isto Ricardo Salgado não disse. Atribuiu a fuga aos depósitos à suspeição pública do Banco de Portugal sobre Morais Pires. 

Mais à frente, Ricardo Salgado prova que os esforços financeiros para reembolsar os clientes que subscreveram dívida da ESI e da Rioforte Investments foram cumpridos e lança os números: Em 31 de Dezembro de 2013 a dívida da ESI e Rioforte colocada em clientes de retalho no BES ascendia a 2.44 milhões. Em 30 de Junho seguinte a dívida colocada nesses clientes tinha baixado para 597 milhões. Uma redução de 70,79%! Diz e repete. 

Ricardo Salgado fala de um sucesso de um plano que foi interrompido. Como se por acaso a ESI e a Rioforte tivessem conseguido pelos seus meios receitas para pagar essas dívidas. Mas não foi o que aconteceu.

Ricardo Salgado esquece-se de revelar a evolução que nessa altura teve a dívida colocada em institucionais e colocada através dos bancos da ESFG, fora de Portugal, como Privée Suisse e o ES Bank of Dubai, entre outros, e mesmo a Tranquilidade. É que a dívida foi apenas deslocada dos clientes portugueses em Portugal, para os clientes portugueses emigrantes (simplifiquemos). Não houve nenhum sucesso na redução de dívida. Aliás nove mil milhões de dívida não podem ir para Marte e fica por provar se os cinco anos que Ricardo Salgado previa para resolver o elevado endividamento do Grupo chegavam. 

Não me vou alongar mais. Mas resumindo Ricardo Salgado diz: «certamente cometi erros ao longo de 22 anos à frente do BES». Na sua perspectiva houve falhas aqui e ali. Havia fragilidades mas a ETRICC estipulou 10 anos para o GES ter capacidade de, dentro de um determinado período, gerar dinheiro para fazer face às responsabilidades assumidas. Disse isto numa altura em que a Rioforte não tinha qualquer imparidade. Depois o Grupo substituiu divida da ESI nos clientes por divida da Rioforte nos clientes. Emitindo divida desta para pagar a anterior. Assim endividou a Rioforte. Contava, é certo, com um aumento de capital desta, de mil milhões, e que não se veio a verificar. Tinha ganho a gestão de um fundo da PDVSA (Petróleos da Venezuela) que passaria a ser gerido pela ESAF, em troca de a ESAF investir 20% desse fundo (700 milhões) num aumento de capital da Rioforte.

Ricardo Salgado vivia no reino das reciprocidades. 

Tudo foi feito em nome da salvação da credibilidade de um dos maiores conglomerados mistos nacionais. Tudo, mesmo tudo. 

Pode dizer-se que lhe faltou tempo e provavelmente faltou. Se calhar se tivesse tratado da dívida antes de ter sido apanhado pela ETRICC 2, não lhe tinha faltado o tempo. Mas só quando foi apanhado é que se começou a mexer para salvar o grupo.

Resumindo. Ricardo Salgado vítima de julgamento sumário do Banco de Portugal e de toda a sociedade, fez também ele o seu julgamento sumário: A Ministra das Finanças não aceitou apadrinhar o GES e o seu empréstimo de 2,5 mil milhões, porque, e disse-o a Ricardo Salgado, só tinha meio de ajudar o banco através dos programas de recapitalização. «Não percebeu que o GES não era um banco», disse o banqueiro. 

As provisões de dois mil milhões constituídas nos resultados semestrais de 2014 foram inusitadas e impostas pelo Banco de Portugal e essas é que acabaram com o BES, disse Ricardo Salgado.

Foi esse excesso de provisões e fim da garantia de Angola" que forçaram BES a desaparecer. O BES não faliu foi forçado a desaparecer. 

Pedro Passos Coelho, num encontro em Maio de 2014, sugeriu-lhe que negociasse com os credores. Ora, diz Ricardo Salgado, isso significa que o Primeiro-Ministro "não sabia da existência do ring-fencing que inviabilizava qualquer solução que envolvesse os credores". Mas acho que esta interpretação de Ricardo Salgado mostra que não percebeu o que lhe disse o Primeiro Ministro. Passos Coelho estava a pedir que fosse, na qualidade de gestor das empresas não financeiras, negociar com os credores. Ora talvez não soubesse é que uma boa parte dos credores eram clientes do banco, ou dos bancos. Alguns de retalho, outros institucionais e outros parceiros em vários negócios. 

Ricardo Salgado foi vítima das circunstâncias e do sistema. Os clientes que perderam tudo esses têm de apontar ao Banco de Portugal.

Desta vez já não apontou aos primos. O que é interessante. 

publicado às 17:55




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