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Estava eu a limpar e-mails, e deparei-me com este de Miguel Poiares Maduro que me enviaram em 2005 (long time ago)
Amor está cheio de apelos à razão
Não há amor sem emoção mas também não há amor sem razão
No amor, a pergunta mais difícil é aquela feita por Jack Nicholson num filme de Mike Nichols "Se pudesses escolher, preferias amar uma mulher ou ser amado por ela?". Esta pergunta pressupõe que não há escolha no amor. Não há escolha porque essa escolha não é feita por nós. Está escrito no destino, determinado por algo que escapa ao nosso controlo. Sendo incompreensível e incontrolável, o amor está assim mais próximo do divino (se de Deus ou do Diabo depende de quem amamos…).
O amor está acima da razão. Mas será a razão totalmente ausente dos assuntos do coração? No amor não intervém a razão? Nas próximas linhas o leitor pensará que terei perdido a razão ao defender que no amor há muito mais espaço para a razão do que as razões do amor por vezes nos querem convencer…
Recentemente duas leitoras acusaram-me de fazer frequentes referências ao amor viciadas por um excesso de razão e pouca emoção na sua compreensão. Esta perspectiva é comum a essência do amor é precisamente a sua ausência de razão (ama-se independentemente da razão e, por vezes, com muito pouca razão…). Confirmando a separação entre amor e a razão estaria o facto de, como notou Schopenhauer, sendo a faceta mais importante da vida, o amor ter sido geralmente ignorado pela ciência. A ciência pode interessar-se pelo sexo ou pelo desejo, mas quanto ao amor (aquilo que existe para lá do - e esperemos, também com - o desejo) a única relação com a ciência parece ser a conclusão de que é tudo uma questão de química. O problema é que isso de pouco serve quando não se conhece a fórmula certa…
E, no entanto, contrariamente à suposição usual o discurso do amor está cheio de apelos à razão. Usamos a razão para procurar descobrir se existe amor (quantas horas passadas a ponderar se a pergunta sobre o que fazemos amanhã quer dizer que quer fazer algo connosco ou se quer é evitar a todo o custo ir fazer o mesmo que nós…).Usamos a razão para explicar a falta de amor "Vê se compreendes, não és tu, sou eu" (ao que dá seguramente vontade de responder: "Não te preocupes, eu gosto de ti mesmo assim como és!"); ou "Eu amo-te, mas o momento não é o certo" (porque será então que não dá para adiar e marcarmos já uma data?). Usamos a razão para nos libertar do amor: ou idealizando-o ao ponto de o tornar platónico ou transformando o amor em ódio (quão ténue é a fronteira). Usamos a razão para evitar os compromissos do amor: "Amas--me? Como pode alguém não te amar…" E o que são afinal as estratégias do amor, se não colocar a razão ao serviço do amor? A promoção do amor através de estratégias de conquista ou rejeição é um usar da razão para provocar a emoção.
No entanto, se a razão é usada no amor, a convicção generalizada é que ela não determina o amor. Ninguém crê num amor justificado pela razão e ninguém se atreve a exigir ser amado em nome da razão. Em Camille, de George Cukor, Robert Taylor professa o seu amor por Greta Garbo, dizendo "Nunca ninguém te amou como eu". Ela responde "Isso pode ser verdade, mas o que posso eu fazer a esse respeito?". A única conclusão racional resultante da irracionalidade (e, logo, incontrolabilidade) do amor seria que ele não é fruto de uma decisão livre e autónoma e, em consequência, não somos por ele responsáveis.
No amor, a razão tem até, frequentemente, conotações negativas "Casou por interesse ou porque não tinha alternativa" (ambas implicam o uso da razão). E o pior mesmo é quando alguém começa a elencar as razões para gostar de nós: os elogios raramente são acompanhados de declarações de amor. Não há nada mais doloroso que ver o amor substituído pela admiração.
No entanto, se a razão fosse estranha ao amor jamais o amor poderia ser eterno. O amor como desejo existe, desaparece e reaparece sempre com a mesma certeza. Num momento amamo-la, um dia mais tarde quem sabe? Na semana seguinte lamentamos o amor perdido! O amor sem razão não nos deixa dúvidas. Apenas a razão nos ensina a ter dúvidas sobre as certezas do amor. Se o nosso amor fosse apenas guiado pela emoção não amaríamos ninguém. Teríamos apenas desejo. A emoção e o desejo são como a espuma e as ondas do mar é o que torna navegar excitante mas não decide a direcção do navio. Para o amor ser eterno (e o amor só faz sentido pensado e vivido como eterno) é necessária a razão para superar as inconstâncias do desejo. E é também a razão que alimenta e é capaz de reavivar o desejo: as dúvidas que planta, a sedução que promove, a imaginação que desperta.
O amor verdadeiro só existe suportado pela razão. Mas não é uma razão qualquer. Não é uma razão de mercearia em que o amor se transforma numa lista de compras pela qual verificamos se ela tem ou não os itens a adquirir (importa passar mais tempo a procurar razões para amar do que a elencar as razões para não amar). E também não é a chamada razão do bom senso em que subordinamos o amor a uma certa razão social. Não é a razão dos outros mas a nossa razão. É uma racionalidade vinculada à emoção. O amor encontra-se quando a emoção nos diz para seguir a razão. É importante não cair no erro de achar que apenas existe amor quando ele vai contra a razão… Não há amor sem emoção mas também não há verdadeiramente amor sem razão. Porque o amor tem necessariamente uma razão de ser.
O amor é o que sobrevive para lá das dúvidas, suportado pela razão. Como dizia um outro personagem cinematográfico "Só quero que me ames, com dúvidas e tudo." Fácil é evocar o coração para não ouvir a sua razão. Fácil também é escudar-se na razão para fugir ao coração. Difícil e verdadeiramente romântico é decidir do amor com o verdadeiro uso da razão. Só assim se encontram as razões do coração. As razões que dita o coração e pelas quais alguém nos faz perder a razão.
Miguel Poiares Maduro