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Prefácio

por Maria Teixeira Alves, em 17.01.15

O livro é como um biombo, o autor despe-se por detrás. O que eu gostava que dissessem sobre este livro é que se trata do retrato impiedoso e irónico da sociedade portuguesa contemporânea, num tempo em que os sonhos se tornam mitos, as alianças de poder subterrâneas autênticas caricaturas. Ter o mundo aos pés é apenas uma ilusão bem esgalhada, que perigosamente parece real e é apenas uma questão de tempo até descobrirmos que tudo não passou de uma ilusão. A queda do Grupo Espírito Santo é um paradigma dessa desilusão, desse mito da infalibilidade.
Não somos nada, nunca seremos nada mas temos todos os sonhos do mundo, para invocar Álvaro de Campos. O poder é por definição temporário. Nem pode ser de outra maneira, por isso emana um atractivo tão irresistível. Mas a verdadeira liberdade é não ter vaidade. Mais cedo ou mais tarde essa constatação cai-nos como um raio. É inevitável. Ricardo Salgado acaba por descobrir essa dura verdade, quando tudo se desmorona e literalmente o mundo lhe cai em cima.
Ricardo Salgado é o banqueiro da época da fénix renascida das grandes famílias que foram exiladas pela revolução do 25 de Abril de 1974, e pela vertente de revolução do proletariado em que se converte o PREC de 1975. O Banco Espírito Santo era o último bastião dessa burguesia financeira endinheirada, glamorosa no Estado Novo e que embasbacava o comum dos homens, que lhe prestava voluntariamente vassalagem. A certa altura parecia conjugarem-se todas as forças da sociedade para certificar que o Presidente do BES passasse a ser a face do poder supremo, o rei sol, e o banqueiro entranhou esse poder. O poder sobre os outros é uma tentação fácil de entranhar. Mas de algum modo sabia que esse poder acabaria com o fim dos grupos familiares. Lutou até ao fim para manter essa realidade, até que esse crescimento começava a exigir dinheiro e começando a faltar dinheiro, o banqueiro não teve outra saída senão o crédito. Não é de hoje a maravilhosa aliança entre dívida e poder. Pensara talvez que a importância do Grupo e do Banco Espírito Santo era um seguro contra a impiedosa actuação dos reguladores. O risco sistémico servia de protecção a uma falência e era o garante que o Estado estaria sempre lá para salvar o BES, enganou-se.
Este livro procura ser o retrato irónico de uma sociedade que vive fascinada pelo poder sobre alguém e onde se formam alianças estratégicas, informais, com a finalidade de manter o status quo. Portugal, como há um século tão bem descrito n´Os Maias de Eça, é um país endividado, obcecado com classes sociais e jantarinhos.
Um retrato satírico da sociedade portuguesa, que afinal não está tão distante assim da sociedade retratada por Eça de Queiroz.
Uma parada de costumes de uma sociedade prisioneira das aparências, onde todos estão constantemente em cena como num palco permanente onde importa mais parecer do que ser. O que foi a gestão do Grupo Espírito Santo senão isso?
É quase impossível na natureza humana erradicar o poder, a vaidade aguça essa paixão.
Na sociedade portuguesa ter Ricardo Salgado como aliado era ter a protecção da burguesia financeira, vagamente aparentada da aristocracia, e bem sabemos como em Portugal isso é apreciado. Aliar-se a Ricardo Salgado era um privilégio e em nome desse privilégio tudo valia e tudo se legitimava.

Este não pretende ser o retrato exaustivo do que se passou, é uma fotografia trabalhada. Tive a pretensão de aplicar os aforismos sobre a natureza humana às pessoas que por acaso conheci. Parti dos factos públicos e escrevi a história como eu a interpretei.
Tento ter a delicadeza de não ser grotesca nas minhas interpretações das pessoas e das situações, julgo ter dentro de mim o bom senso e o bom gosto para o ter conseguido.
Se não foram estes exactamente os sentimentos e motivações dos protagonistas, podiam ter sido. Parti para isso do meu conhecimento da história e da leitura dos factos públicos.
Neste retrato figurado prefiro salientar o humano, que é comum a cada um de nós, nas pessoas envolvidas. No fim do dia somos todos iguais.
Não vejam neste livro o realismo factual, mas antes uma ficção realista.
Este livro pretende ter algum sentido de humor, espero ter conseguido isso, mas não se pense que o humor é uma troça, não é de todo. O humor é quase sempre prova de uma desilusão profunda. Algo que, por ser subtil, não tem nome, nem aspecto. É uma sobra de dor, mas não é dor, como escreveu uma vez Agustina Bessa Luís.
Acho que as coisas grandiosas devem ser narradas de uma maneira simples, as coisas mesquinhas de uma maneira subtil.

 

«Ironia, verdadeira liberdade! És tu que me livras da ambição do poder, da escravidão dos partidos, da veneração da rotina, do pedantismo das ciências, da admiração das grandes personagens, das mistificações da política, do fanatismo dos reformadores, da superstição d›este grande universo, e da adoração de mim mesmo.»

P.J. PROUDHON

 

Agradeço a todos os que se disponibilizaram a ajudar-me, porque foi a prova que me respeitam profissionalmente, e isso é um reconhecimento importante para mim. Posso dizer que ninguém a quem eu pedi para me receber me recusou. Mesmo os que por força das suas profissões e das suas enormes responsabilidades em bancos e empresas tinham pouco tempo. Se se encontravam fora do país disponibilizaram-se a falar por telefone. Foi muito gratificante escrever este livro pelo interessante que foi ouvir o que as pessoas tinham para me dizer e contar sobre esta história, que é só e mais nada o maior escândalo capitalista do país do século! Claro que com o tempo muitas das «novidades» que este livro revelava foram saindo nos jornais, mas este nunca pretendeu ser um livro de revelações bombásticas.
Podia aqui fazer uma lista de amigos a quem devo ajuda para este livro, mas terei evidentemente de destacar o Francisco Mendia, que foi incansável. Tenho de agradecer ao Manuel Lancastre, que esteve sempre disponível para trocar ideias e dar sugestões; ao António Albuquerque, meu ex-colega do Diário Económico, que sempre me apoiou neste livro, e também ao João Cortez Lobão, que esteve sempre disponível para me ajudar, e conhece, como eu, as dificuldades porque passa um jornalista para ter notícias de negócios e de bancos.
Agradeço especialmente a todos os banqueiros, empresários e advogados (alguns deles amigos do coração), e alguns assessores de imprensa, que não se importaram de me reservar um bocadinho do seu precioso tempo para me receber, ouvir e trocar ideias. É bem verdade que já me conhecem e aturam há tanto tempo que já estão habituados.
Agradeço à minha família, em especial ao meu tio Carlos Queiroz, uma das vítimas da falência do Grupo Espírito Santo, que me ajudou neste livro.
Tenho de agradecer a alguns colegas meus do Diário Económico que também foram boas ajudas e sobra-me um mundo de ajudas de amigas e amigos meus que tenho a certeza preferem ficar anónimos, como por exemplo o João, o João, o Bernardo, o Luís, o Pedro, o Paulo, o Manel, o António, o Gonçalo, o Salvador, o Bruno, o Francisco, o Nuno, o André, o Miguel, o Jorge, o Diogo, o Carlos e o Tomaz. Agradeço ainda todas as ajudas de desconhecidos que a partir de outro país me ajudavam com notícias de outras sucursais e filiais. A todos os que esporadicamente me iam dando dicas, quer pelas redes sociais, quer presencialmente.
Agradeço às minhas grandes amigas – Rita, Isabelinha, Margarida, Catarina (minha prima), Conceição, Teresa, Joana, Sofia e Patrícia – a paciência de me aturarem a falar deste tema.

E ao Francisco por me ter encorajado a escrever.

publicado às 13:09


1 comentário

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De Cita-Livros a 17.01.2015 às 14:53

A opinião do Cita-Livros:
http://cita-livros.blogspot.pt/2015/01/o-fim-da-era-espirito-santo.html

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