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Sem título. técnica mista, Maio 2018
Fernando Namora, que no próximo ano celebra-se o centenário do seu nascimento, foi médico, escritor e, como escreveu ele, “um pintor dos domingos” [in “Encontros”; Publicações Europa-América, 1998, p.26 ]. É uma ideia interessante, e por duas razões: em primeiro lugar a sua vertente pictórica é pouco conhecida – eu próprio só o soube, quando há uns anos, visitei a casa onde nasceu, em 1919, em Condeixa-a-Nova. E por outro, porque regra geral a maioria dos pintores são “pintores dos domingos”, ou seja, a prática da “artiscidade” que justifica o próprio ofício de pintor é hoje uma raridade. Ninguém, ou quase ninguém vive da pintura ou da escrita, ou até da música. Por outras palavras, são necessário outros ofícios que nos façam sobreviver; de “ter os pés na terra”.
Porém, nem sempre foi assim. O conceito de “artiscidade” é fruto do renascimento onde eles, sejam pintores, escultores ou até arquitectos, estavam como que “obrigados” a pintar ou a esculpir. Eram na sua essência artesãos, e nesse sentido, mesmo que fazendo coisas belas – veja-se o tecto da Capela Sistina ou qualquer outro trabalho de Miguel Ângelo, como as obras de Leonardo da Vinci – estas foram feitas por compromisso: entre o artesão e quem o contratou.
De facto foram feitas coisas lindíssimas que ilustram qualquer livro da História da Arte, porém estou convencido que ainda não existia neles uma consciência estética. Havia sim a obrigação pelo belo e pela funcionalidade, caso contrário “morreriam à fome”.
A meu ver a estética ou a consciência estética da arte surge quando os artistas se revoltam com o real, quando a arte perde o sentido aristotélico de “imitação da vida”. Ou seja, a arte como discurso, e é nestes moldes que entendo a estética, surge no século XX, quando e à boleia de Oscar Wilde, ele escreveu que a “vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida”, assumindo o “lado da mentira” bem patente em movimentos artísticos da passada centúria: surrealismo, cubismo, abstraccionismo, etc.
Acontece que nos últimos tempos tem surgido obras hiper-realistas, onde o primor técnico é a todos os níveis louvável. Porém será isso arte? Mimi Fogt – cuja parte significativa da sua obra está patente na Casa-Museu Passos Canavarro – que era uma pintora figurativa, e por vezes desacreditada pelo sistema – afirmava que um dia haveria um retorno, que haveria um regresso ao figurativo, e, por assim dizer ao real. Creio que ela teve razão, porém esta inversão no discurso artístico é mais fruto dos tempos que se vivem, em que as pessoas necessitam do real, de terem os pés na terra, do que de uma tendência artística propriamente dita. As pessoas – veja-se como se olha a política actual – estão fartas da mentira, da mentira que foi terreno artístico muito fértil.
A situação tem para mim, um pintor dos domingos por excelência, uma outra leitura e que de certa forma sugere um confronto entre o pintor encartado, com currículo académico, dos demais aventureiros dominicais. Efectivamente se um zé-ninguém não pode fingir o que não é, i.e., só pode fazer actos médicos quem tiver habilitações, por que razão pode esse mesmo zé-ninguém pintar? A resposta está no outro. Não está naquele que pinta. Porque para pintar basta ter umas telas, uns pincéis e umas tintas. Está sobretudo na sua exposição, e existência. Em suma, um pintor nunca depende de si. Depende de quem lhe dá existência. Ou sejam: os galeristas, os leiloeiros, etc. Até lá, e falo por mim, sinto-me feliz – embora já tenha exposto – em pintar os domingos, e quiçá os outros dias da semana. Se assim for um dia ainda poderei ser conhecido como tal, pondo o amadorismo na gaveta!