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O Tomaz parecia que era eterno e partiu

por Maria Teixeira Alves, em 03.11.17

IMG_1052.JPG

O Tomaz Bairros já não está cá para ler isto; já não está cá para vibrar com os jogos do Sporting; já não está cá para comentar a atualidade com os seus comentários contundentes, sem meias tintas, sem hesitações e inseguranças. Se há coisa que Tomaz amava era a praia. Penso mesmo que o Verão se demorou até ao fim de Outubro para que o Tomaz fosse à praia até ao último dia de vida.

Lembro-me que uma vez criou uma página nas redes sociais para que se pudesse ter acesso a informações sobre as praias do país todo. Aquilo foi um sucesso. Um dia o Tomaz ligou-me (eu ainda não tinha o número dele nessa altura) e apresentou-se assim: "Olá. É o Tomaz!", eu fiquei calada a pensar, "que Tomaz?" e ele apressou-se a situar-me: "É o rapaz do Faixa Costeira". Como é que se pode esquecer uma pessoa que se entregava aos outros nas pequenas coisas, mesmo mantendo aquela muralha da liberdade a separá-lo da demasiada exposição aos outros? O Tomaz entregava-se nas coisas que fazia, na forma como cozinhava para os amigos, na forma como nos levava a passear pelos bairros populares de Lisboa, na forma como nos fazia rir desconcertadamente.

O Tomaz passava pela vida das pessoas e demorava-se lá, mesmo quando parecia que passava de raspão. 

Tinha uma maneira única de ser, talvez por ter uma segurança que não está no ADN dos portugueses, o que se poderá explicar pelo seu lado norueguês. Não se detinha em aparências, nem hesitava em seguir o que sentia e pensava. Não tinha manhas inteletuais. Mesmo na doença nunca deu parte fraca, nunca mostrou qualquer insegurança, nunca demonstrou fraquejar. Quando descobriu que estava doente anunciou-o com uma naturalidade tal que eu, quando ele me disse, achei que não era verdade, que estava mais uma vez a brincar. Ninguém anuncia uma doença que pode ser mortal como quem diz que vai ao cinema. Ninguém, excepto o Tomaz.

O Tomaz estava nos antípodas do pretensioso, nos antípodas da vaidade, nos antípodas da basófia; no antípodas dos vigários deste mundo; nos antípodas da mentira. Fazia gala no contrário.

Mas desenganem-se aqueles que pensassem que por escolher, por exemplo, a tasca em vez do restaurante trendy o Tomaz não tinha um gosto de elite. Tinha um óptimo gosto em pessoas, um óptimo gosto em música, um óptimo gosto em arte. 

O Tomaz prezava a liberdade, dizia-o muitas vezes. Eu sempre pensei, que no fundo a liberdade era o que lhe restava (ele talvez não concordasse comigo). O sol, o mar, o Sporting, os amigos, os sobrinhos e a irmã eram tudo o que tinha. O que lhe sobrava era o sentido de humor. Dizia as coisas mais desconcertantes sem se rir. Um dia uma amiga minha estava a contar que assim que comprou uma casa com jardim lhe começou a aparecer um gato e que à força de lhe dar comida se afeiçoou à gata (era uma gata) e acabou por ficar com um animal de estimação (coisas que acontecem a quem tem a vicissitude de viver sozinho). O Tomaz ouviu muito atentamente e responde-lhe: "A mim também me aconteceu o mesmo, com duas traças. Vieram com o arroz. Mas eram muito meigas!". Disse isto sem se rir. Quem não conseguia parar de rir era eu e o resto da sala.

Se a morte apanhou tão cedo o Tomaz, com aquela segurança e um estilo de vida tão de costas voltadas ao stress, pode apanhar qualquer um.

 

publicado às 13:48


18 comentários

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De Anónimo a 04.11.2017 às 00:08

Muito bem escrito...o Tomás era tudo isso!!!
Fica a saudade do seu ar muito especial de olhar a vida
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De Anónimo a 04.11.2017 às 00:39

Bonito. Gostei muito Maria.
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De Anónimo a 04.11.2017 às 01:11

O Tomaz vai viver para sempre no nosso coração e nas boas recordações que temos. Uma amizade de uma vida... O Tomaz era tudo isso... Um Amigo do coração
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De Pedro Sanchez a 04.11.2017 às 04:04

O Tomaz era e é isso tudo, um ser de Luz que o Senhor se apressou a chamar a si para fortalecer os legionários Celestes.
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De Anónimo a 07.11.2017 às 01:19

Não tinha pensado nisso, mas tem todo o sentido!
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De Anónimo a 04.11.2017 às 12:26

Nao conheci o Tomaz ,mas pelo que li ,o Tomaz era uma Optima pessoa ,um Bom Amigo ,e a lei da vida é assim ,nunca sabemos se estamos bem .
Para ti Tomaz ,pelo que li vi que aproveitas-te bem a vida ,nunca é como nos queremos e desejamos ,e como Sportinguista que foste ..e és ,espero que o nosso Sporting esta epoca seja Campeao ,e seja uma Homenagem para ti ,um Abraço Tomaz ,e quando eu for para o Mundo que foste ,gostava de te encontrar e conhecer .
Fica em Paz Tomaz .
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De Anónimo a 04.11.2017 às 17:58

Gostei muito do texto que achei muito humano e bem escrito.

Manuel
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De MÁRIO CORDEIRO a 04.11.2017 às 18:56

Muito bem escrito. Como seu cunhado, tendo com ele vivido e convivido muitos anos (que as vicissitudes da vida levaram a interromper), sendo pai de três dos seus queridos sobrinhos, só tenha a agradecer esta reflexão. Ele era isto e um homem culto, de uma espantosa criatividade, um amante da Vida e da natureza, um defensor da liberdade, a começar pela sua e a continuar pela dos outros. Enigmático, às vezes quase atemorizador, mas depois revelava-se bom, calmo e com uma vida interior muito rica. A vida é feita de momentos em que se sente o sabor da injustiça.
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De Anónimo a 05.11.2017 às 00:11

Bonito texto. Escrito com o coração!
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De Maria Teixeira Alves a 05.11.2017 às 14:34

E há outra maneira de escrever? Só se escreve com o coração... sempre. Aliás, escrever e não só. Tudo o que se faz só é bom se for feito com o coração.
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De António Canavarro a 06.11.2017 às 15:47

Maria, como é possível?
Estou sem palavras.
Nunca mais esquecerei da vossa visita a Santarém com o Tomás , e em que ele foi o cicerone recordando a sua estadia na Escola Prática de Cavalaria.
Até sempre pá!
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De Anónimo a 06.11.2017 às 22:24

"A mim também me aconteceu o mesmo, com duas traças. Vieram com o arroz. Mas eram muito meigas!"

Excelente texto e fizeste-me rir. Aliás, ainda estou rir, com esta tirada muito própria o Tomaz!!!!

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