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O Tomaz Bairros já não está cá para ler isto; já não está cá para vibrar com os jogos do Sporting; já não está cá para comentar a atualidade com os seus comentários contundentes, sem meias tintas, sem hesitações e inseguranças. Se há coisa que Tomaz amava era a praia. Penso mesmo que o Verão se demorou até ao fim de Outubro para que o Tomaz fosse à praia até ao último dia de vida.
Lembro-me que uma vez criou uma página nas redes sociais para que se pudesse ter acesso a informações sobre as praias do país todo. Aquilo foi um sucesso. Um dia o Tomaz ligou-me (eu ainda não tinha o número dele nessa altura) e apresentou-se assim: "Olá. É o Tomaz!", eu fiquei calada a pensar, "que Tomaz?" e ele apressou-se a situar-me: "É o rapaz do Faixa Costeira". Como é que se pode esquecer uma pessoa que se entregava aos outros nas pequenas coisas, mesmo mantendo aquela muralha da liberdade a separá-lo da demasiada exposição aos outros? O Tomaz entregava-se nas coisas que fazia, na forma como cozinhava para os amigos, na forma como nos levava a passear pelos bairros populares de Lisboa, na forma como nos fazia rir desconcertadamente.
O Tomaz passava pela vida das pessoas e demorava-se lá, mesmo quando parecia que passava de raspão.
Tinha uma maneira única de ser, talvez por ter uma segurança que não está no ADN dos portugueses, o que se poderá explicar pelo seu lado norueguês. Não se detinha em aparências, nem hesitava em seguir o que sentia e pensava. Não tinha manhas inteletuais. Mesmo na doença nunca deu parte fraca, nunca mostrou qualquer insegurança, nunca demonstrou fraquejar. Quando descobriu que estava doente anunciou-o com uma naturalidade tal que eu, quando ele me disse, achei que não era verdade, que estava mais uma vez a brincar. Ninguém anuncia uma doença que pode ser mortal como quem diz que vai ao cinema. Ninguém, excepto o Tomaz.
O Tomaz estava nos antípodas do pretensioso, nos antípodas da vaidade, nos antípodas da basófia; no antípodas dos vigários deste mundo; nos antípodas da mentira. Fazia gala no contrário.
Mas desenganem-se aqueles que pensassem que por escolher, por exemplo, a tasca em vez do restaurante trendy o Tomaz não tinha um gosto de elite. Tinha um óptimo gosto em pessoas, um óptimo gosto em música, um óptimo gosto em arte.
O Tomaz prezava a liberdade, dizia-o muitas vezes. Eu sempre pensei, que no fundo a liberdade era o que lhe restava (ele talvez não concordasse comigo). O sol, o mar, o Sporting, os amigos, os sobrinhos e a irmã eram tudo o que tinha. O que lhe sobrava era o sentido de humor. Dizia as coisas mais desconcertantes sem se rir. Um dia uma amiga minha estava a contar que assim que comprou uma casa com jardim lhe começou a aparecer um gato e que à força de lhe dar comida se afeiçoou à gata (era uma gata) e acabou por ficar com um animal de estimação (coisas que acontecem a quem tem a vicissitude de viver sozinho). O Tomaz ouviu muito atentamente e responde-lhe: "A mim também me aconteceu o mesmo, com duas traças. Vieram com o arroz. Mas eram muito meigas!". Disse isto sem se rir. Quem não conseguia parar de rir era eu e o resto da sala.
Se a morte apanhou tão cedo o Tomaz, com aquela segurança e um estilo de vida tão de costas voltadas ao stress, pode apanhar qualquer um.