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O BPI já não é o que era.
Foi um banco que nasceu e cresceu com a entrada de Portugal na CEE, hoje União Europeia, que nasceu no tempo das oportunidades, no tempo dos horizontes económicos, no tempo em que a iniciativa privada dava os primeiros passos depois de anos de economia estatal. Nasceu como banco de investimento. Foi crescendo por aquisições durante toda a década de 90, à boleia de privatizações e da moda das fusões e aquisições. M&A era um rótulo sexy, todos queriam gabinetes de M&A (mergers and acquisitions). Não foi há muito tempo, mas parece ter sido há uma eternidade. Artur Santos Silva era o banqueiro do pós-25 de Abril, que, a par com Jardim Gonçalves, dominavam a banca portuguesa moderna. Nessa altura regressavam também as velhas famílias de banqueiros, espoliadas pela revolução do proletariado, ou seja, pelo PREC. Espírito Santo, Champalimaud, Mello, partilhavam agora o estatuto de banqueiro com estes dois bancos novos, o BPI e o BCP. Os dois novos-bancos tinham em comum uma raiz accionista nortenha. Os empresários do norte eram parte da estrutura accionista fundacional.
O culminar dessa fase de M&A chega com uma tentativa de fusão entre o BPI e o BES de Ricardo Salgado, decorria o ano 2000. No rescaldo da venda dos bancos do Grupo Champalimaud ao Santander e ao BCP Artur Santos Silva e Ricardo Salgado tentaram uma fusão. Mas excessos de protagonismo e/ou escassez de transparência da estrutura accionista do BES, condenam o entendimento entre os dois banqueiros.
Foi exemplar a escolher a sucessão, Artur Santos Silva, quando em 2004 escolhe para sucessor Fernando Ulrich. O ex-jornalista, irreverente e destemido banqueiro, que se tornou conhecido por ser o l´enfant terrible da banca. Disse sempre o que pensava, foi sempre adepto da frontalidade e incomodou muita gente. É memorável a reacção que teve à Oferta Pública de Aquisição que o BCP de Paulo Teixeira Pinto lhe lança de surpresa. Estávamos em Março de 2006. Fernando Ulrich, em plena conferência de imprensa diz sobre Paulo Teixeira Pinto que "para quem chegou à gestão bancária há pouco mais de um ano, está muito atrevido".
Durante a OPA as tentativas para romper a aliança dos três accionistas do BPI – então La Caixa, Itaú e Alianz – foram insistentes e quase estóicas. A Oferta Pública de Aquisição começou por ser lançada a 5,7 euros por acção, e durou mais de um ano, tendo em Abril de 2007, sofrido uma revisão do preço para uns estonteantes 7 euros por acção. Mesmo assim a aliança dos três grandes accionistas não foi quebrada. Não venderam e o BCP não comprou o BPI. Nunca mais os accionistas tiveram uma oportunidade de vender acções do BPI a 7 euros. Mas isso não abalou a confiança deles na comissão executiva de Fernando Ulrich.
Essa aliança accionista era o alicerce daquela equipe de gestores.
Mas o BPI propunha ainda que fosse o banco a nomear o presidente da Comissão Executiva do Millennium BPI, ou BPI Millennium, e o BCP o "chairman".
Por esta altura, o BCP chega aos 10% do BPI e este chega aos 5,2% do BCP. O que mais tarde vai ter um sabor amargo, porque em 2008 a crise do subprime arrasa a confiança no sector financeiro e as acções dos bancos caem a pique. As perdas nos balanços dos dois bancos foram pesadas. É mais ou menos nesta altura e na sequência da tentativa de se livrarem desta participação cruzada, que o BCP, já sob o jugo de Carlos Santos Ferreira, vende 9,69% que detinha no BPI a Isabel dos Santos, que passa a ser o terceiro maior accionista. Por essa altura a La Caixa detém 29,4% do banco e o Itaú 18,9%. E os direitos de voto continuavam limitados a 17,5%.
A entrada dos angolanos no capital do BPI leva a que em 2009, o limite de voto seja alterado e suba para 20%. A Sonangol era já uma accionista de referência do BCP.
A vida do BPI seguiu o seu curso paulatinamente, com resultados cada vez mais dependentes do banco que tinham em Angola, o BFA.
A crise de dívida soberana chega em 2010, e Portugal pede a intervenção da troika em 2011. Portugal passou a ser um incómodo para os investidores estrangeiros. Os brasileiros apressaram-se a abandonar o barco e saem do BPI.
O banco Itaú, histórico accionista do BPI, vende a sua participação em 2012. No final desse ano, o La Caixa era dono de 30,1% do BPI, e o Itaú tinha 18,9%. A Santoro tinha 9,99%. A Allianz continuava com os seus quase 9%. Em Abril, os brasileiros acabam por vender sua posição ao CaixaBank/La Caixa. Na altura, os catalães ficaram com os 18,87% do Itaú e sobem a posição para 49%. No entanto, a blindagem dos direitos de voto a 20% permitiu que não fosse lançada uma OPA. De seguida, o CaixaBank alienou uma fatia das acções a Isabel dos Santos, descendo a sua posição para os actuais 44,1%. Quanto à empresária angolana assegura o lugar de segundo maior accionista, com 18,6%.
A saída do Itaú e entrada da Santoro para o seu lugar de segundo accionista estratégico, vê-se hoje, provocou uma mudança irreversível. O BPI deixou de ter um núcleo de accionistas coesos.
Nem os accionistas do norte (vide grupo Violas), agora já nas segundas gerações, são os fortes aliados da administração, nem o La Caixa é já o garante da vontade de Fernando Ulrich e Artur Santos Silva. Ambos querem crescer por aquisições mantendo o banco como está em termos de estrutura de gestão. A OPA do La Caixa servia esse propósito. Mas hoje não está lá um Itaú. Está lá uma empresária de um país que acaba de perder o estatuto de equiparável a banco europeu. O BCE excluiu os bancos angolanos da elite credível do sistema financeiro. Tudo graças ao caso BESA. Não podem querer banir um angolano de um mercado sem que ele retalie com a tentativa de controlo desse mercado. A resposta à situação do BCE ter passado a considerar o Banco Nacional de Angola como contraparte não-equiparável a bancos europeus, é esta expressa nas palavras do presidente da Santoro Mário Leite Silva: "Queremos criar o maior banco privado português"!
A proposta de fusão do BCP/BPI é essa demárche de guerra, contra a rejeição do BCE e contra a subestimação do La Caixa.
Mas hoje, ao contrário de outrora, a voz de Isabel dos Santos contra a OPA, e a oposição de accionistas minoritários, forçou a administração do BPI a chumbar a OPA do La Caixa. A OPA que Fernando Ulrich queria. O preço é agora o argumento válido. Ao contrário do que aconteceu em 2007, quando nem 7 euros demoveu os accionistas de referência, agora o dinheiro conta.
O conselho de administração do BPI recomendou hoje aos accionistas do banco que não aceitem a Oferta Pública de Aquisição (OPA) lançada pelos espanhóis do CaixaBank, tudo porque o conselho de administração "entende que o preço de 1,329 euros por acção oferecido pelo CaixaBank através da Oferta não reflecte o valor actual do BPI". E indica mesmo que o preço que reflecte o valor actual do BPI é de 2,04 euros por acção, a que "deverá ser adicionado o valor resultante da partilha (50/50) das sinergias anunciadas pelo Oferente, correspondente a 0,22 por acção". Chega-se assim a um total de 2,26 euros por acção, considerado justo pela administração do BPI. Um valor que é 70% mais alto do que o oferecido pelo CaixaBank no anúncio preliminar da OPA, a 17 de Fevereiro.
Veremos agora o grau de lealdade do La Caixa à gestão do BPI. Se se mantiver a força de outrora, os espanhóis sobem o preço. Se não for assim mantêm o preço e a OPA cai, ou deixam o BPI à mercê dos angolanos. Se isso é bom ou mau para o BPI? Se essa fusão com o BCP, liderada pela Sonangol, Santoro, Interatlântico, é bom para o país, e para os bancos, é outra conversa. Sobre isso, falar-se-á mais tarde.