A falência do Grupo Espírito Santo, do BES e a Resolução são coisas que já foram explicadas e mais do que explicadas. O que agora me levanta dúvidas é porque vem uma técnica, ou ex-técnica, do Banco de Portugal divulgar documentos sobre o assunto? Isto numa altura em que o cerco político a Carlos Costa aperta (felizmente é um cargo inamovível). Parece evidente que o Governo actual tem pena de não ter no comando do Banco de Portugal uma Elisa Ferreira (lá chegaremos).
Mas uma coisa sabe-se. Houve uma Comissão Parlamentar de Inquérito, com um relatório muito bem elaborado, ao tema. Tudo aquilo que agora se volta a discutir, com carga de grande revelação, foi escrutinado pela CPI em 2015.
Quanto à responsabilidade do Banco de Portugal tem de se separar dois momentos: O momento da descoberta e o momento da solução.
Podia o Banco de Portugal ter descoberto mais cedo? Pouco provável. O problema do Grupo Espírito Santo radicava numa holding que sustentava todo o grupo e essa estava sediada no Luxemburgo. O Banco de Portugal tinha denúncias e suspeitas, mas batia-lhes à porta e respondiam: Isto não é um banco e não é português. Foi preciso com a troika, o Banco de Portugal ter ordens para pedir as contas dos 12 maiores clientes de cada banco, e zás lá estava a ESI (Espírito Santo Internacional). Foi esta análise (ETRICC) que permitiu descobrir que a ESI tinha apagado dívida do balanço. O que significava que a ESI estava falida.
Fernando Ulrich avisou o Banco de Portugal? Avisou. Mas nunca soube da dívida escondida.
Uma coisa é alertar para o facto de o banco estar a ser capitalizado com dinheiro dos clientes, outra coisa é essa capitalização estar a ser feita através de uma empresa com contas falsas.
No pós descoberta podemos criticar algumas coisas de Carlos Costa. Eu critico sobretudo uma: O de não ter anunciado em público a proibição feita a 14 de Fevereiro de 2014 à administração do BES, de venda de papel comercial das empresas do Grupo Espírito Santo aos balcões do BES. Mesmo só se aplicando ao retalho e a Portugal a publicação desta ordem teria informado os institucionais que investiram na dívida do GES depois de 14 de Fevereiro, como é o caso da PT (já viram que esta se calhar não teria falido) e como é o caso dos clientes dos bancos do Grupo (detidos pela ESFG) fora de Portugal.
A saída mais rápida de Ricardo Salgado e este anúncio tornado público teria evitado a falência do BES? Não se sabe. Porque a dívida colocada nos clientes dos bancos e que vencia a curto prazo somava 6 mil milhões de euros. A possibilidade de uma corrida aos depósitos quando começassem a falhar os primeiros pagamentos do papel comercial das empresas do GES que foram vendidas com chancela Espírito Santo, era quase certa, e os processos em tribunal que seguiriam. A difamação do banco não seria evitada.
O fecho da torneira de liquidez para continuar a alimentar a dívida do GES iria muito provavelmente fazer estoirar o BES mais cedo. Mas teria pelo menos salvo poupanças de algumas famílias e empresas. Ricardo Salgado ficava mais cedo proscrito, provavelmente.
Era apenas uma questão de tempo. Mas pelo menos tinha sido rápido. A morte do BES seria mais rápida. A fuga aos depósitos teria aberto um problema de liquidez e empurrava para a Resolução, mas tudo mais cedo. Teria sido mais transparente. Isso sim.
De resto as novidades que temos agora são as revelações dos inquéritos no âmbito da Operação Marquês. Isso sim é revelador do que se passou no país nas últimas décadas. O tráfego de influências, os pagamentos, a troca de favores.
Enquanto para sobrevivermos tivermos de recorrer a esses esquemas, este país nunca deixará de ser terceiro mundista.
Deixo aqui o comunicado do Banco de Portugal e a reacção à reportagem da SIC, "Assalto ao Castelo":
A propósito das reportagens da SIC sobre o BES, o Banco de Portugal considera relevante esclarecer o seguinte:
- Em 1 de Agosto de 2013, o BPI entregou no BdP uma avaliação económica do GES, com especial incidência na Espirito Santo International (ESI).
- Esta avaliação do BPI foi oportunamente partilhada com a Assembleia da República no contexto da Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão do BES e do Grupo Espírito Santo.
- Na data em que o documento foi partilhado com o Banco de Portugal já se encontrava em preparação uma análise particularmente exigente dos principais grupos económicos devedores à banca (ETRICC 2), cuja realização foi aprovada pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal no dia 11 de Setembro de 2013.
- O ETRICC 2 foi desenvolvido com base numa metodologia particularmente exigente, que questionou em profundidade os planos de negócio dos grupos económicos selecionados, de modo a confirmar que os mesmos assentavam em pressupostos robustos.
- Foi em resultado do ETRICC 2 – por única e exclusiva atuação do Banco de Portugal – que foi detetado, no final de novembro de 2013, que as contas publicamente divulgadas pela ESI não refletiam a sua verdadeira realidade financeira.
- Esta desconformidade contabilística não tinha sido até aí reportada pelos órgãos de administração do BES, por empresas de auditoria, por qualquer outro regulador ou supervisor, por qualquer instituição credora do GES, ou por qualquer indivíduo.
- Assim, a avaliação do GES realizada pelo BPI em nada alterou a análise e o planeamento em curso no Banco de Portugal, nem contribuiu para os resultados que vieram a ser apurados no ETRICC 2.