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As agruras dos consumidores em Portugal

por Maria Teixeira Alves, em 23.04.15

Desconfio que não há pior país para se ser consumidor do que Portugal. Em cada acto de consumo há um jogo desigual em desfavor de quem paga, de quem consome. Parece estar instituído que quem paga um produto final tem de aceitar a sua inferioridade no jogo. Consumir é aceitar ser enganado. O vendedor tem de fazer tudo o que pode para vender, custe o que custar e doa a quem doer. O comprador tem se de resignar à sua situação de enganado. Não há entidade mais preciosa neste país que a DECO. Porque os consumidores são sempre o elo mais fraco, apesar de serem eles que pagam e fazem crescer o PIB. 

Repare-se: 

A NOS decide arranjar clientes, então que faz? Propõe novos pacotes mais vantajosos desde que o cliente passe a ter um telemóvel também. O cliente explica que pela sua profissão tem de estar ligada a outra operadora, mas os vendedores da NOS não se detêm. Vão a sua casa apresentar as maravilhas da sua nova proposta e até lhe dizem que pode dar o cartão de telemóvel a um amigo. Você ouviu a proposta e não aceita mudar. Ah, mas a NOS não se interessa pela sua decisão, muda-lhe o tarifário. Mas afinal você não tem telemóvel. Pois assim são mais 10 euros. E de repente a sua mensalidade passou a ser mais cara. Telefona a reclamar. Mandam-na para a loja da NOS. Você vai, explica que lhe estão a cobrar mais dez euros por mês por um serviço digital que não pediu. Certo, até lhe repõem mas apenas em facturas futuras. Mas entretanto se quiser voltar a ter o tarifário que tinha antes tem de pagar mais, pois que as datas de começo e fim de mensalidade não coincidem. Agora tem de pagar, para fazer o acerto, um mês e dez dias. Nunca esses dez dias lhe serão compensados em nada. Mas se não quiser tem de pagar primeiro e reclamar depois, senão ainda nos surge a intrum justicia pela casa adentro.

A MEO decide ligar-lhe para lhe propor um novo tarifário. Cheio de pacotes e sinergias. Diz que não quer mudar, e apenas admite estudar o assunto se lhe mandarem um mail com o novo pacote. Isso não podem fazer. Tem de aceitar mudar imediatamente e por telefone. Se não quiser tem quase que desligar o telefone na cara do vendedor.

Compramos uns gigas de internet extra porque o nosso plafond acabou e temos de mandar um mail urgente. Escolhemos pagar mais um euro para o menor dos extras. Mas nunca mais nos ligam a internet. Ligamos outra vez e explicam-nos que acabam de nos cobrar três euros por um pacote extra, que nunca o cliente escolheu, mas o vendedor escolheu por si. 

E se queremos mudar de operadora? Isso é o tormento. Tentei uma vez mudar para a Vodafone. Atenderam-me apresentaram-me o preçário e deram-me a escolher um telemóvel com um desconto. Escolhi o Iphone 6, ainda me dão a escolher a cor. Nunca mais mudei nem vou mudar. Pois até hoje (meses e meses depois) ainda não fui contactada pela Vodafone (agora já não quero porque tenho o IPhone 6 da MEO; que obtive praticamente à força. Tive de lá ir e pedir para me encontrarem um para eu poder entregar finalmente o telefone de substituição, que me arriscava a ficar com ele indefinidamente). 

Vou à Àrea nas Amoreiras. Esta então é o cúmulo do desrespeito pelo cliente. Vejo umas cómodas muito bonitinhas de riscas encarnadas. Está com um descontos de quase 70 euros. Pago 200 euros mais o transporte. Compro. O vendedor explica-me que o desconto é devido a uns defeitos na pintura, mostra-me os exemplos de riscas e lascas. Eu aceito comprar. Quando recebo a cómoda deixada embalada à minha porta, reparo que as gavetas estão empanadas, não fecham. Telefono a pedir para virem recolher a cómoda e trazerem outra. Respondem-me que não posso trocar porque comprei com desconto. E que o facto de as gavetas não fecharem é um defeito. Não é que a cómoda esteja estragada, isso não, tem um defeito. Tanto importa que eu explique que não podem vender um produto cuja sua principal funcionalidade está comprometida, querem lá saber. Os clientes são alvos a abater, porque são obrigados a pagar e a não reclamar. 

Se vamos a uma loja, pagamos e pedimos factura, respondem-nos, olhe já não podemos dar, teria que ter pedido antes. Antes?! Antes de quê? Não é a factura uma obrigatoriedade do comerciante?

Mudamos de operadora de electricidade porque a empresa que tem o quase monopólio aplica preços exorbitantes. Aparece-nos uma (a ENAT) que nos diz que as tarifas são mais baixas. Durante os primeiros meses corre bem. Mas a partir do momento que fazem a leitura e corrigem em alta, o valor triplica, porque a estimativa triplica. E contra a estimativa o que podemos nós consumidores? E agora teremos de esperar por novos acertos que nunca, mas nunca são a nosso favor.

Vamos fazer a revisão do carro. O anúncio diz que a revisão tem um pacote que custa 99 euros. Mas depois nunca, mas nunca se paga 99 euros. Na melhor das hipóteses a oficina cobra-nos o dobro. Porque há sempre coisas que nós nunca saberemos se são precisas ou não, para trocar. 

Compramos um livro. O livro tem gralhas ou está mal impresso. Mas a editora quer lá saber. 

Assim se passa o comércio neste país. Apregoam-se sonhos e vendem-se pesadelos. 

Vender é enganar neste país.

publicado às 15:56


1 comentário

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De Ideias e Baleias a 29.04.2015 às 01:47

Não concordo com a primeira frase.
No entanto, compreendo e até me identifico com uma ou outra situação das várias que descreveu.
O que mais me incomoda são as estimativas em alta (e muito acima do normal) que as empresas fazem. É que as estimativas são a norma e mesmo que se faça o acerto na factura seguinte, lá vem uma nova estimativa que cobre o acerto. Logo, a factura vem sempre com valores elevados todos os meses. E o cliente que pague ou cortam-lhe o serviço.
Dar a leitura resolveria essa situação, diriam alguns, certo?
Não resolveria, porque certas empresas acham sempre que a leitura de 30 dias (que nós damos) é pouco e, por isso, acrescentam sempre mais uma semana de consumo. Para isso, não teria dado a leitura do contador...

Na questão dos 99€, parece-me que a técnica das empresas (oficinas ou outras) é acenar com um valor baixo para atrair clientes. E quando eles lá chegam, há sempre algo mais a somar à factura. Ou no caso de produtos, nós apercebemo-nos de que aquele produto que íamos comprar não corresponde às características que nós esperávamos ou é de uma marca "rasca" e assim decidimo-nos por um produto de preço mais elevado (aprendi esta ao comprar um leitor de cassetes VHS; o mais barato não era grande coisa).

Bom post ;)

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