De António Pereira de Carvalho a 24.11.2010 às 23:07
Um esboço da alma “tuga”
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“O «tuga» - não já o das guerras coloniais, mas este de agora que resplandece dentro e fora do futebol – é o «chico-esperto» nacional, o «bimbo» convencido e cheio de manha, videirinho e oportunista, sempre com o fito de fazer dos outros parvos com a sua esperteza saloia. Preguiçoso da quinta casa, mais dado a alhos e amuletos do que a esforçar o corpo e as meninges, julga-se o máximo e põe-se invariavelmente à frente quando se trata de colher os louros por qualquer motivo de festa, mas é o primeiro a descolar quando as coisas dão para o torto.
Tem mau perder, mas a culpa é sempre dos outros e nunca do próprio «tuga», incapaz de reconhecer – e, portanto, de corrigir – os seus defeitos, as suas fraquezas, as suas insuficiências. Às vezes, até, o seu mau carácter. Ignora o que seja disciplina, trabalho colectivo ou interesse comum. «Safar-se» de qualquer forma é o seu lema e objectivo capital.
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A vitimização permanente é a escola de vida do «tuga» e o seu «kit» de sobrevivência: nega sempre os erros próprios e sobrevaloriza os alheios, ou, na falta destes, quaisquer circunstâncias adversas. Sozinho é, em regra, inofensivo e até um pouco medroso. (...) Adquire um espírito de clã que só não chega a ser completamente mafioso por causa dos tradicionais costumes brandos; mas obedece à mesma lógica de encobrimento dos seus pares ou dependentes e de vingança contra tudo o que possa descortinar como uma ameaça à família. Para se livrar de uma embrulhada mente a si próprio e ao mundo inteiro, negando tudo o que for preciso – mesmo a evidência dos factos.
O «tuga» encontra-se um pouco por todo o lado: no trânsito citadino e nas auto-estradas, quer conduza um táxi ou um topo-de-gama; nos cafés e restaurantes ou nos «shoppings» da moda, como cliente ou como empregado; nas empresas e nos ministérios, seja estafeta a prazo ou administrador, seja contínuo ou mesmo ministro; nos partidos e no Parlamento, ora presidente da concelhia ora líder de bancada; nos bancos e nas fundações, nas autarquias e nas repartições, nos hospitais, nos consultórios ou nas bancas de advogados, nos escritórios de «import-export», bem como nos jornais, na rádio e na televisão.
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O bom «tuga» é um fingidor. Mesmo o do futebol, tosco e básico por natureza numa enorme percentagem tem o seu quê de poeta. Alimenta-se de ilusões, vive nas nuvens e, quando a queda é grande, tanto mergulha no desespero como entra no jogo do mata e esfola, desatando aos murros e aos gritos contra tudo e contra todos, o que é outra forma de depressão.
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E, de então para cá, o que fizemos – os que sabem, os que podem e os que devem – para mudar as mentalidades, para aumentar a disciplina, para melhorar a educação, para dar valor aos princípios – em suma, para instruir melhor os «tugas», libertando- -nos desse fardo e lutando contra esse fado?”
Expresso – 22 de Junho 2002, pág. 4, “Preto no Branco”
Fernando Madrinha