Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Acabo de ler que a Academia tem medo que os Óscares sejam aborrecidos, pelo que decidiram, e como para grandes males há grandes remédios, investir bastante dinheiro em publicidade para não deixar fugir as audiências. De facto, não há grande surpresa nesta decisão, há muito que o cinema para Hollywood deixou de ser uma arte!
Fazia tanto tempo que não cumpria a minha missão de escriba, e desta responder de forma continuada ao convite que a Maria me fez há alguns anos. Por um lado, acho que me faltavam motivos, e por outro, o meu tempo é muitas vezes escasso.
Porém, e graças a Deus, há os fundamentalistas, ou seja, há aqueles que na ambivalência que a moral justifica distinguem de forma obtusa o bem e o mal, pelo que, e à boleia deles, regressei. No entanto, espero bem que isto não signifique um regresso definitivo, porque se assim fosse era razão para termos medo, muito medo. De uma vez por todas tínhamos ficado reféns deles, e isso é verdadeiramente assustador!
O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis
Vai ter olhos onde ninguém os veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no tecto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos
O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos)
intelectuais
(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com certeza a deles
Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados
Ah o medo vai ter tudo
tudo
(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)
*
O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos
Sim
a ratos
Alexandre O'Neill, in 'Abandono Viciado'
Acabo de ver o trailer deste filme: SONO DE INVERNO. O novo filme de Nuri Bilge Ceylan que venceu a PALMA DE OURO do Festival de Cannes (vai estar em exibição no Nimas a 8 de Janeiro).
No meio dos diálogos (fantásticos) há um que dá respostas ao meu intimo.
Ela para ele: "És um homem culto, justo honesto e consciencioso. Mas às vezes usas essas virtudes para sufocar as pessoas. Para as esmagar e humilhar".
Ele para ela: "Idolatrares um homem como um Deus e depois revoltares-te contra ele por não ser um Deus. Achas isso justo?"
A ideia que ser virtuoso não chega para potenciar o amor dos outros. A ideia que a virtude pode esmagar e revoltar os outros, e que o virtuoso não percebe porque é que é vítima do mal dos outros quando tem tantas virtudes, é uma coisa tão grandiosa na revelação que até arrepia. Parece dar respostas a tantas perguntas e explicar tantos mártires.
A virtude esmaga os outros que não a conseguem ter e dá origem aos maiores males do mundo. É certo.
Depois a virtude leva à idolatria e não ao amor. Amam-se as fraquezas não as virtudes.
Não sou, nunca fui um grande entusiasta dos jornais satíricos, embora aprecie um bom cartoon, pois chegam onde muitas vezes as palavras não conseguem. No entanto, enquanto ocidental, e na minha condição de Homem Livre, não posso ficar indiferente à barbárie, à incapacidade de mentes pequenas serem incapazes de filtrar, i.e., separando o acessório do essencial. Por isso, tanto aqui, tal como postei ali, eu hoje “Je suis Charlie”!
Hoje, porque me apetece elogiar o silêncio ou, melhor dizendo, a capacidade de nos sabermos calar, de saber que existem momentos onde a palavra, mesmo que necessária, fere, encontrei este texto de Clarice Lispector (1968) que me parece adequado, pelo que o partilho aqui:
O Valor do Silêncio
“Tantos querem a projeção. Sem saber como esta limita a vida. Minha pequena projeção fere o meu pudor. Inclusive o que eu queria dizer já não posso mais. O anonimato é suave como um sonho. Eu estou precisando desse sonho. Aliás eu não queria mais escrever. Escrevo agora porque estou precisando de dinheiro. Eu queria ficar calada. Há coisas que nunca escrevi, e morrerei sem tê-las escrito. Essas por dinheiro nenhum. Há um grande silêncio dentro de mim. E esse silêncio tem sido a fonte de minhas palavras. E do silêncio tem vindo o que é mais precioso que tudo: o próprio silêncio.”
Ontem, primeiro dia do ano, o país político ouviu a tradicional Mensagem de Ano Novo do Presidente da República ao país. Eu ouvi-o como se fosse uma espécie de música de fundo: estava à lareira quando na sala ao lado quando Cavaco Silva discursava.
Podia ter-me levantado, e ir ouvi-lo. Podia mas não o fiz, na realidade já esperava (como li hoje no Público) que ele dissesse o que disse. Só não esperava a reacção do meu filho de quase 6 anos, quando, no final tocou a Portuguesa, disse: "Ó pai anda cá, anda cá ver o homem do hino."