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António Lobo Antunes diz que os homens não se apaixonam, entusiasmam-se.
Foi nos últimos dois dias noticiado pelo Jornal de Negócios, uma novidade muito relevante. Passou despercebido, mas a transposição da directiva europeia sobre a solidez dos bancos (CRD IV, que significa Capital Requirements Directive IV) vai dar um poder quase absoluto ao Banco de Portugal. As alterações à lei bancária (RGICSF) que a transposição da directiva de capital vai trazer, prevê o aumento de sanções pecuniárias que a instituição hoje liderada por Carlos Costa pode aplicar aos banqueiros, e gestores de instituições financeiras que cometam irregularidades. Pode chegar aos 10 milhões de euros, imagine-se! Vamos ter uma geração de banqueiros potencialmente pobres. As coimas às pessoas colectivas (instituições financeiras) passam a ser ao nível do BCE. Isto é, passará a ser 10% do total do volume de negócios anual liquído do ano anterior à data da decisão condenatória.
O Banco de Portugal vai passar ainda a publicar os condenados no site, e a infração cometida. Até agora o Banco de Portugal tinha a tradição de ser sigiloso. Era sempre uma tarefa árdua para qualquer jornalista de economia confirmar uma notícia de investigação e condenação que envolvesse a actividade de supervisão do Banco de Portugal.
Mas o poder do Banco de Portugal vai mais longe: a nova versão da lei bancária (que ainda tem de passar pela Assembleia da República) vai dar ao Banco de Portugal o poder de avaliar os banqueiros e gestores de instituições financeiras de áreas chave como compliance; auditoria interna; controlo e gestão de riscos, etc, antes de serem admitidos. Ou seja, a escolha dos gestores e administradores já não depende apenas dos accionistas e dos superiores hierárquicos, têm de passar no crivo do Banco de Portugal. Têm de ir a Deus saber se podem ou não ser aceites. Isto irá afectar já os sucessores dos banqueiros Ricardo Salgado (muito relevante este pormenor no processo de sucessão) e de Fernando Ulrich.
O que é que vai estar em causa? Saber se o candidato a banqueiro (ou a gestor financeiro) actua de forma transparente e cooperante com a supervisão. Os maus resultados empresariais. Despedimentos no passado. Idoneidade em funções passadas. Características do seu comportamento e contexto em que decisões foram tomadas. No fundo, aquilo que hoje é feito sem base legal pelo Banco de Portugal vai passar a ser regra jurídica. Por exemplo, alguém que está a ser investigado num processo de corrupção, ainda que não tenha nada a ver com a sua actual actividade de banqueiro (ex: Armando Vara), até agora o Banco de Portugal apenas poderia dar "um conselho" de saída do banco. Tinha alguma força, mas não tinha base legal, no limite o banqueiro poderia não acatar.
Uma investigação com base em suspeitas de inside trading, por exemplo, pode levar o Banco de Portugal a travar a pretensão de ser banqueiro se nessa altura ainda não houver um desfecho do caso que conclua pela inocência.
O Banco de Portugal vai passar a fazer verdadeiras investigações aos gestores que se candidatem a banqueiro. Saber se no passado receberam kick-backs, mesmo que não tenha sido público; saber se receberam comissões de clientes por actividades de consultoria (se actuaram como banco de investimento por conta própria), tudo isto estará na folha do Banco de Portugal, que se encarregará de entrevistar os candidatos antes de serem propostos e eleitos para as funções. Restará alguém apto para sucessor de Ricardo Salgado e de Fernando Ulrich?
É uma revolução silenciosa. Porque poderá introduzir uma prática em desuso actualmente, que é a promoção de quadros internos a administradores. Hoje isso praticamente não acontece. Há um mercado de CEO que são sempre os mesmos. Mas no futuro poderão os discretos mas competentes Directores subir a administradores e a presidentes.
P.S. O poder do Banco de Portugal passa pelo poder para entrevistar candidatos a gestores financeiros para avaliar a idoneidade e a adequação à função. A avaliação deve basear-se nas informações prestadas pelo interessado, pelo banco, e ainda pelas averiguações promovidas pelo supervisor bancário.
O parentesco pode determinar a falta de independência no contexto de administradores não executivos independentes. A detenção de uma participação qualificada (2%) na instituição também lhe retira a capacidade de independência.
O pedido de licença bancária vai estar condicionado à composição do board, se o Banco de Portugal não considerar que são idóneos não concede a licença.
O filme do Wes Andersen, Grand Budapest Hotel é de uma estética absolutamente divinal. A nostalgia, o romantismo, a subtileza, tudo se conjuga na nova obra do norte-americano, onde acompanhamos a história de Gustave H. (Ralph Fiennes), um brilhante “concierge” de um famoso hotel europeu durante as duas guerras, e o jovem Zero Moustafa (Tony Revolori), o seu protegido e amigo de confiança. Uma verdadeira história de amigos improváveis, contada sob a forma de narrativa lida à lareira.
Na forma e estilo, Wes Andersen, neste filme, fez-me lembrar o britânico Richard Ayoade no seu filme Submarine.
De destacar também a enorme variedade de personagens (e de actores célebres) e histórias que desfilam aos nossos olhos. O que em teoria poderia levar a alguma dispersão, mas engenhosamente, Wes Anderson une todas as histórias, apresentando um argumento realmente notável e sedutor carregado de uma ironia subtil. Um tratado de Bom Gosto este filme. A não perder. Há poucos assim.
Agustina sobre a lucidez: "O Velho Testamento está cheio dessas figuras, patriarcas, que acima de tudo são lúcidos. São lúcidos porque têm uma imagem de perfeição acima do humano à qual rendem absoluta homenagem. Tudo o que está para baixo, pode ser campo onde essa lucidez se manifesta".
Lembrei-me hoje de um dos grandes filmes de sempre. Shadowlands, a história de amor entre C.S. Lewis e Joy, uma americana divorciada. É um filme de 1993. Vale a pena ver e ler os diálogos.
"Why love, if losing hurts so much? I have no answers anymore: only the life I have lived. Twice in that life I've been given the choice: as a boy and as a man. The boy chose safety, the man chooses suffering. The pain now is part of the happiness then. That's the deal."
"We can't have the happiness of yesterday without the pain of today. That's the deal".
O filme completo aqui:
O universo está cheio de biografias involuntárias de amantes. Estão em cada frase escrita por esse ciberespaço fora.
Está em cartaz uma comédia francesa com algum interesse: Quai d'Orsay, em português Palácio das Necessidades. Retrato satírico de um Ministro dos Negócios Estrangeiros do país das luzes: a França. Alexandre Taillard de Worms é uma força a considerar no espectro mundial, a sua missão é sustentada na sua trindade de conceitos diplomáticos: legitimidade, unidade e eficácia. Ele enfrenta os neoconservadores americanos, os russos corrompidos e os gananciosos chineses. É o retrato satírico do epicentro da sociedade ocidental, baseada nos valores da liberdade, igualdade, fraternidade que é o lema da revolução francesa. A sociedade ocidental é bem filha deste lema.
A ironia à volta do vazio do conteúdo dos discursos; da incoerência entre o discurso oficial e a posição dos bastidores; dos truques diplomáticos; do abuso das citações (Heráclito); em suma da forma em detrimento do conteúdo. Mas, para quem faz da escrita a sua profissão há uma frase que é inesquecível pela sua sinceridade. "Toda a gente sabe que escrever é uma montagem", diz o Ministro, de marcador florescente em riste na mão. Muito bom. Tem uma grande dose de verdade esta frase.