Excertos da entrevista publicada no dia 23 de Janeiro no Diário de Notícias:
Nasceu no tempo da monarquia, tem 80 anos ligados ao cinema. O que representa essa actividade, o cinema, na sua vida?
A actividade do cinema é uma actividade artística, a última das artes, a Sétima Arte. E José Régio, por exemplo, dizia - e bem - que o cinema era uma síntese de todas as artes. E é natural que tenha sido a última, porque para ser a síntese de todas as artes teria de vir depois, não poderia aparecer antes. Mas o cinema, como todas as artes, está ligado à vida. O que se exprime, ou que as artes exprimem, de um modo ou noutro, numa forma abstracta ou concreta, é a vida. E a vida tem toda a riqueza de que o artista se pode servir. Não há na natureza nenhuma forma, nenhum desenho que exista como arte e não exista na realidade. Tudo existe, não pode existir nada que não seja traduzido da vida, por isso a vida é importante. E, curiosamente, se não me alongo muito, diria que a vida não mudou absolutamente nada, é exactamente aquilo que era antes. O que evoluiu, que tem evoluído, e muito, é o progresso. O progresso é que evoluiu extraordinariamente.
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E hoje?
Hoje tenho uma ideia muito diversa da de antigamente. Neste meu último filme, Angélica, até mudei um pouco as ideias do que estava para fazer; foi mais por imposição e interesse do produtor que eu me atrevi e adaptei o filme à realidade. Mas, enfim, porque na verdade a gente chega a estas conclusões, a máquina de filmar... O teatro é mais honesto que o cinema, porque o cinema filma sonhos. Ora a máquina de filmar não pode filmar sonhos, a máquina de filmar não pode filmar pensamentos. No teatro nunca se representa um pensamento, nunca se representa um sonho. O actor chega ao palco e diz "eu sonhei isto e aquilo". Se é verdade ou mentira, não se sabe. Ou então diz "eu pensei isto ou aquilo", porque isto não se filma. Por essas razões, mudamos a ideia do contexto do cinema, e por isso acho que o teatro é fundamental. E, para mim, a expressão mais rica é a literatura. Lembro-me de que na Guerra e Paz, um sujeito quando estava para morrer - estava ferido, depois acabou por ficar doente -, estava preocupado em saber o que é a morte. Porque era uma porta por onde ele não entraria. Olhou lá para o fundo da sala e vê uma porta, e diz "Ah, é uma porta." E eu achei isto admirável: a morte é uma porta. No mundo material, a porta dá para o cemitério. No mundo espiritual, a porta dá para algum lado, ou não.
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Sim. Se pensa nisso nesta fase da sua vida...
Há um poeta português que disse que o espírito é como o ar que se respira. Eu fiquei com essa ideia. E, ultimamente, há um outro escritor que diz que o espírito é como o ar que se respira. Fiquei muito emocionado nesse livro, que eu li era muito novo. Fiquei sempre a pensar... E agora, pensando melhor, realmente, quando se morre, solta-se o espírito. O espírito é como o ar que sai. E o espírito sai e junta-se. Ao sair, perde a personalidade, onde está todo o bem e todo o mal, liberta-se desse bem e mal e junta-se ao absoluto, que é a configuração do espírito, o absoluto. É Deus.
A morte assusta-o?
Não, não me assusta nada. O sofrimento, sim, a morte não. A morte é... é o fim. É o fim da macacada. (risos)
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Mas chega em boa forma física ao presente. Isso também foi em função da intensa vida desportiva que teve durante a sua juventude?
Não, isso são caprichos da natureza.
Só?
Por exemplo, podia morrer de desastre, podia ter morrido de uma doença qualquer, por muito desporto que eu praticasse. Enfim, a natureza é caprichosa e dá a uns o que tira a outros. Não se sabe porquê.
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Foi atleta, piloto de automóveis, chegou a trabalhar como actor e até na produção agrícola. Se não fosse realizador de cinema, alguma vez pensou naquilo que poderia ter sido?
O que poderia ter sido? Bom, eu ponho de parte ser um grande malandro, isso não seria! (sorri e acaba por rir-se) O resto podia ser tudo, qualquer coisa, sabe-se lá! O destino é que marca a conduta de cada indivíduo. Somos predestinados. E ninguém resiste ao seu destino. Ou dá para o bem, ou dá para o mal.
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Mas eu, quando fazia essa pergunta, referia-me a acontecimentos da vida política e social portuguesa que viveu. Há algum que o tenha marcado? Lembro-me, por exemplo, que teve problemas com a PIDE no tempo do Estado Novo.
Não tive problemas com a PIDE. A PIDE é que teve problemas comigo! Fiz uma reunião, disse coisas que eram certas e, por serem certas, meteram-me na cadeia durante uns oito, dez dias. E depois viram que não tinham razão, não podiam, soltaram-me. Houve um movimento também favorável, mas não se pode dizer, a verdade verdadeira não se pode dizer porque é um risco.
"Era" um risco?
Era... não sei se ainda é. Sabe que esta história política é muito difícil, muito grave. Há uma desmobilização fortíssima, há uma perda de valores enorme! Hoje a aldrabice monta por aí com toda a força, e isso é triste.
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O seu combate, é um homem católico...
(Interrompendo) Sim. Não é uma questão de ser católico, embora todos os valores, toda a ética, derivem das religiões. Toda a ética deriva das religiões e, portanto, elas supõem-se. Quer dizer, não matarás, não roubarás... isso mantém-se. E os pecados mortais, também, a gula, etc.. São mortais mesmo, são mesmo mortais! Com a gula, com o vício do vinho, da droga, etc., morre-se!
Foi o representante da comunidade artística junto do Papa Bento XVI quando ele cá esteve...
Sim.
... Permanece hoje um homem de fé, ou tem ainda mais fé do que no passado recente?
Nem mais, nem menos. É a mesma. Já disse, terminei esse discurso, essa prelecção, terminei lembrando o que dizia o padre António Vieira sobre o Non: "Terrível é a palavra non. Por qualquer lado que a tomeis, é sempre non." O non tira a esperança, que é a última coisa que a natureza deixou ao homem. Nós vivemos na esperança. Se perdemos a esperança, damos um tiro na cabeça, ou qualquer coisa assim.
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Politicamente, é um homem de centro, de direita, de esquerda... Como se define politicamente?
Não sou um homem político, não tenho essa tendência política. Agora, sou um humanista; humanista, sou. É aquilo que está a favor da humanidade. É o meu lema
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Em Portugal, o grande público é muito mais consumidor da telenovela do que do cinema. Como interpreta essa realidade portuguesa? Acaba por ser bom para o cinema, é uma antecâmara e permite...
Não tenho a telenovela como uma expressão verdadeiramente cinematográfica. É uma expressão que os brasileiros tornaram tipicamente brasileira. A telenovela é brasileira! Como teve sucesso, vão atrás da telenovela para fazer a telenovela portuguesa. Mas, está bem, é uma forma de fazer e, sobretudo, de dar emprego aos actores. Os actores, se não fossem as telenovelas, não tinham que fazer. Os teatros...
Também temos bons actores em Portugal?
Óptimos! Actores óptimos!