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Na última edição do centenário "Correio do Ribatejo" foi publicado um texto de minha autoria intitulado "Gramática para o tempo que se vive", que deixo aqui para vossa consideração.
No universo do pensamento de Miguel de Unamuno fica na retina uma frase: “Uma fé que não duvida, é uma fé morta”. Faço a referência porque a duvida, a suspeita, sempre foi mole do desenvolvimento humano e sinónimo de civilidade. Ora, quando este legado está, à mercê das intransigências fundamentalistas, prisioneiro do seu futuro, a realidade construída desmorona-se como um castelo de cartas, já que os nossos principais pilares estão em xeque-mate e, portanto, em profunda agonia!
Recentemente, a Fundação Passos Canavarro, recebeu o padre Anselmo Borges, professor de filosofia na Universidade de Coimbra, que, ao abrigo de um encontro internacional realizado em Gaia, e que as interessantíssimas comunicações foram compiladas num livro por si organizado, questionou o futuro de Deus. Será que “Deus tem futuro?”
A questão é importante, porque, para lá das suas implicações entre os crentes, convoca-nos a pensar esta modernidade, onde todos, e por maioria de razão os não crentes, - já que “naturalmente” a questão do futuro do Todo-poderoso seria-lhes colateral -, somos convocados a pensar o nosso próprio futuro. Dito de outra forma: “Será que nós teremos futuro?”
O Ocidente, na sua matriz judaico-cristão, há muito, - e de forma dolorosa, - resolveu a bem a questão da religiosidade, do tempo e do século, separando as águas, diferenciando o que é “de Deus do que é de César”. Foi, aqui, na nossa modernidade, em que a ciências deram os maiores passos para a humanidade, enquanto os demais ainda andam exclusivamente perdidos em condicionamentos metafísicos e teológicos, construímos o nosso legado, pelo que estes condicionamentos, desde logo pela natureza da intransigência das suas fés, tornam-nos seus reféns, situação que os mais recentes bárbaros, como sejam a destruição do património da humanidade, simbolizam na perfeição. Pelo que, não se restringe, em si mesmo, a uma questão de fé. É, antes de tudo, uma afronta ao que a Europa e o Ocidente representam, ou seja, um confronto contra a razão.
Se no século passado a agonia do cristianismo – como foi sublinhado por Unamuno numa obra com este nome – foi a consequência directa da emergência das filosofias positivistas e materialistas, assim como das reminiscências históricas do que o clero socialmente representava, a luta pela vida que a fé, e o Ocidente em geral, enfrentam hoje é, como disse, diversa, e por isso com um impacto seguramente mais preocupante, já que trata-se da defesa das nossas heranças culturais, sociais e civilizacionais. Assim, é tempo de questionar se nós, tal como os nossos ancestrais romanos, poderemos e deveremos afirmar que “Si vis pacem, para bellum”. Ou seja, que se queremos a paz (a manutenção do nosso estatuto) temos que preparar a guerra? Porque, se é certo que este aforismo não trará de nada bom, é provável que nos afaste das trevas onde nos querem remeter. De facto, é altura para perguntar se, nesta “gramática para o tempo que se vive”, estaremos à altura, isto é, preparados para acção e encetarmos novas cruzadas?